Com uma década de atraso, o Brasil resolveu mirar na chamada economia criativa — setor que movimenta mais de US$ 600 bilhões no mundo e se manteve imune às crise financeiras globais — e se prepara para lançar em abril um audacioso programa que pode duplicar os ganhos desse segmento em quatro anos. Se isso acontecer, serão R$ 108 bilhões a mais injetados na economia do país no período, graças ao aumento da produção e da exportação de bens e serviços criativos.
O programa Brasil Criativo está em gestação no Ministério da Cultura. Já foi mostrado à presidente Dilma Rousseff e está sendo tocado em parceria com a Casa Civil. O Planalto deve bater o martelo sobre as medidas, que envolvem pelo menos dez ministérios, em meados de março. Ao GLOBO, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, explica que a ideia é aumentar o quinhão do setor na economia dos atuais 2,85% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) para pelo menos 5,7% até 2015. As primeiras discussões começaram na gestão de Gilberto Gil. A despeito dos rumores de que poderia deixar o ministério, ela espera tocar o programa até o fim do governo:
— Não é um projeto para seis meses ou um ano, é de médio prazo.
Sobre a mesa estão a eliminação de leis caducas, desoneração de tributos, mudanças no marco legal e formalização de profissionais dos diversos ramos da cultura — do design ao artesanato, passando por games, cinema, novelas e música —, além da criação de linhas de crédito e da discussão sobre propriedade intelectual. Também está em análise o reconhecimento de novas profissões, para permitir acesso a financiamento, Previdência e emissão de notas fiscais.
O próprio governo admite que há poucas estatísticas sobre a economia criativa, e boa parte do mercado é informal. Segundo Luiz Barreto, presidente do Sebrae Nacional, que ajuda o governo a mapear o setor, 90% dos empreendedores são de micro e pequeno porte. Um estudo da Firjan mostra que toda a cadeia da indústria criativa no país — do espetáculo de dança ao iluminador, passando por figurinistas e barraquinha de cachorro-quente — movimenta R$ 667 bilhões por ano. São Paulo está à frente, com R$ 253,5 bilhões, seguido por Rio e Minas Gerais, com R$ 76,3 bilhões e R$ 59,8 bilhões, respectivamente.
‘Indústria do futuro’, segundo produtora
Segundo o Relatório da Economia Criativa 2010 da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o Brasil exportou US$ 6,3 bilhões em serviços e US$ 1,22 bilhão em bens criativos em 2008. A China vendeu US$ 84 bilhões em bens e US$ 2,6 bilhões em serviços criativos. Estados Unidos e Alemanha vêm em seguida, com mais de US$ 35 bilhões cada.
— O Brasil ainda pode se tornar uma potência criativa. Deve aproveitar seu grande momento, com os eventos esportivos nos próximos anos, para se vender melhor para o mundo — disse ao GLOBO a chefe do Programa de Economia Criativa da Unctad, Edna dos Santos-Duisenberg.
Para ela, a economia criativa é uma opção viável para crescer e ajudar os emergentes a driblarem crises globais, reduzindo a dependência das commodities. Segundo Edna, enquanto as transações comerciais caíram 12% em 2008 por causa da crise, as operações com bens e serviços criativos cresceram 14%:
— Este é um setor que vai continuar crescendo, porque reflete o estilo de vida da sociedade contemporânea, em que se consome cada vez mais cultura, entretenimento, lazer e turismo.
Os países ricos , que começaram a adotar programas semelhantes há uma década, detêm 90% do mercado mundial de audiovisual e música, 80% do mercado editorial e imprensa e 75% do de artes visuais. O programa do governo quer usar a cultura como alavanca para o crescimento, a geração e distribuição de renda e a inclusão social.
— Conheço muita gente boa que passa a vida esperando um convite ou um edital para trabalhar. Muita gente está informal nesse mercado. Falta informação. Estamos fazendo um grande mapeamento de todos os elos da cadeia. Acho que dá para, no mínimo, dobrar a participação do setor no PIB — disse a ministra, que reconhece o atraso do Brasil nessa corrida. — Estamos estudando os entraves. A indústria brasileira da moda já anda bem, mas tem enfrentado, por exemplo, a concorrência da China. Outro caso: estamos comprando fantasias de carnaval da China...
Dono da Icon Games, José Lucio Gama fez o seu primeiro jogo em 2003, após um curso na PUC-Rio. Desde então, tem exportado boa parte do que faz para o exterior por meios próprios e garante que o faturamento está na casa dos milhões de reais. Muitos dos seus games voltam para o país pelas distribuidoras estrangeiras, e os usuários locais sequer se dão conta de que são made in Brazil.
— É um mercado de US$ 2 bilhões no Brasil. As pessoas não sabem que muitos games são produzidos aqui dentro. Não temos bons canais de distribuição, como lá fora. Faltam profissionais treinados para essa área — disse Gama.
Autor do game “Detetive Carioca”, que tem por cenário pontos turísticos do Rio e casos como o roubo de um enredo de escola de samba, ele aposta no crescimento explosivo desse setor, graças à expansão do número de smartphones e tablets.
Para Walkiria Barbosa, dona da Total Filmes e organizadora do Festival de Cinema do Rio, o maior da América Latina, os tomadores de decisão, seja na iniciativa privada ou no governo, ainda desconhecem o potencial do negócio criativo.
— É a grande indústria do futuro. Nos Estados Unidos, é a maior indústria de exportação. O segmento audiovisual só existe se for analisado como indústria. Tem que produzir em escala, o que requer investimento alto de capital e infraestrutura sofisticada — disse Walkiria. — O Brasil está engatinhando nesse sentido. Para importar equipamento para um filme 3D, paga-se um imposto altíssimo. O audiovisual é tributado três vezes, na bilheteria, na distribuição e na produção dos filmes.
Segundo ela, o setor não precisa de caridade, mas de políticas eficientes:
— O que os filmes “Rio” e “Crepúsculo” fizeram pelo Rio de Janeiro e pelo Brasil não tem preço. Isso é conteúdo audiovisual.
O produtor de eventos musicais Luis Oscar Niemeyer, que recentemente trouxe Paul McCartney ao Brasil, comemora a iniciativa do governo. Para ele, capacitação e infraestrutura são básicos.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/com-dez-anos-de-atraso-governo-deve-criar-incentivos-para-industria-criativa-3882701#ixzz1mGP6ciLl
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